Review From the Darkness

From the Darkness: mais terror, por favor

Quem tem medo do escuro?

Ainda que sejam com frequência usados como sinônimos, terror e horror carregam sentidos distintos: o primeiro se refere ao temor e à expectativa de que algo horrível aconteça, enquanto o segundo mostra algo horrível acontecendo. Um filme de terror nos aterroriza com uma ameaça (de um monstro, espírito ou situação), enquanto um filme de horror nos choca ao concretizá-la. É a diferença entre O Sexto Sentido e Jogos Mortais, entre ouvir um ruído no porão e encontrar um monstro escondido lá dentro.

Se o terror é feito de sutilezas, gerando medo pela antecipação, o horror funciona em sentido reverso, pois materializa esse medo para nos mostrar quão hediondo ele pode ser. Pessoalmente, gosto de ambas as abordagens, mas acho que o terror é mais eficaz em perturbar a paz interior do ser humano a longo prazo, tornando as histórias mais memoráveis e, por isso mesmo, mais cativantes.

FROM THE DARKNESS: DA RÚSSIA, COM AMOR PAVOR

Criado e distribuído pelo desenvolvedor independente N4bA, From the Darkness é um jogo russo que sabe trabalhar o terror com eficiência, mas peca na apresentação dos trechos em que tenta entregar situações de horror. A premissa é simples: entrar no apartamento soviético há muito desabitado de seu falecido avô e recuperar um velho álbum de fotografias. Parece fácil, mas sabemos que não vai ser.

From the Darkness

Os primeiros terços de From the Darkness são os melhores, sendo também aqueles em que o jogo melhor utiliza o cenário e as luzes para imergir o jogador em uma atmosfera lúgubre. O apartamento está caindo aos pedaços: há portas quebradas, teias de aranha e frestas nas janelas por onde sopra um vento gelado. Nas paredes, quadros e fotografias antigos observam com frieza nossos passos pela residência. Luzes se apagam, portas se fecham – a impressão é de que somos observados. E quando enfim encontramos o álbum de fotografias, é aí que o jogo realmente começa.

From the Darkness consegue fazer muito com muito pouco, aproveitando com sabedoria o limitado espaço físico para entregar uma experiência claustrofóbica, que joga com nossos medos mais primitivos – em especial o medo do escuro. O apartamento onde o jogo se passa é relativamente pequeno: dois quartos, uma sala e uma cozinha, além de uma despensa e um banheiro com uma surpresa. Em nossa missão para escapar, temos que ir e voltar frequentemente por esse pequeno espaço, encontrando itens ou acionando eventos que nos permitam seguir em frente. Mas nunca achei que o cenário parecia repetitivo ou limitado. Ao contrário: o vaivém pela casa do falecido avô é sempre dinâmico, como um trem-fantasma de uma hora e meia, e em nenhum momento deixei de me sentir desconfortável com o ambiente. Toda vez que me virava, eu temia encontrar alguma coisa olhando para mim da escuridão – e às vezes eu encontrava.

À semelhança do que foi feito no teaser jogável de Silent Hills, o apartamento de From the Darkness se reconfigura a cada avanço que fazemos: uma porta trancada de repente se abre, uma porta aberta de repente se fecha. O cômodo em que você está pode não ser o mesmo em que estava um minuto atrás, e agora há sangue escorrendo pela parede atrás de você. Junte a isso uma trilha sonora opressiva e a necessidade de caminhar no escuro, sem falar nas aparições que se manifestam pelo apartamento, e a humilde morada do camarada avô subitamente começa a parecer enorme, como se caminhar do quarto até a cozinha fosse uma longa e desagradável viagem. Assim, brincando com nossa noção espacial e fazendo-nos temer o próprio ambiente, o jogo nos desestabiliza e transforma uma possível fraqueza (seu limitado cenário) em sua principal força (o medo que sentimos de dar um passo que seja).

TERROR BEM-FEITO, HORROR REMELENTO

Além do ótimo aproveitamento do espaço, From the Darkness se apropria com talento e criatividade de certas convenções – inclusive mecânicas – para gerar medo e tensão no jogador. Exemplo disso é quando, lá pela metade do jogo, em meio a um redemoinho de eventos assustadores, pipoca a mensagem na tela: pressione shift para correr. Correr de quê? Correr para onde? O jogo não deixa claro quais são os riscos, mas a simples sugestão de que eles existem é o bastante para nos colocar em estado de alerta e nos fazer girar repetidamente o personagem no próprio eixo, prontos para correr ao menor sinal de ameaça.

Em outro caso, o jogo me disse que era possível me esconder debaixo da cama enquanto as luzes se apagavam e as portas batiam sozinhas. Ouvi passos ecoando pelo apartamento e não tive dúvida de que precisava encontrar abrigo sob o colchão de molas, ainda que eu não soubesse exatamente do que estava me escondendo. É um uso original e bastante contraventor, até onde posso dizer, de certos tropos dos videogames. Afinal, assim como todo barril vermelho é feito para explodir em chamas em um jogo de ação, sabemos que a possibilidade de nos esconder em um jogo de terror significa que estamos sendo perseguidos – constatação por si só tão apavorante quanto qualquer perseguição de fato. Aproveitando-se de nossa própria expectativa para voltá-la contra nós, From the Darkness consegue, com pouco esforço (mas de forma simples e eficiente), manter a alta rotatividade de fraldas do jogador.

Por outro lado, o jogo deixa a peteca cair em sua última meia hora, quando insiste em mostrar aquilo que até ali havia mantido no campo da sugestão. Ainda que tenha uma iluminação caprichada e gráficos bem razoáveis na maior parte do tempo, From the Darkness evidencia seu baixo orçamento ao colocar em primeiro plano as aparições que, antes, escondiam-se nas sombras. O terço final do jogo deixa de lado as sutilezas para nos colocar de frente com figuras que, por conta das limitações do título, servem mais para arrancar risadas nervosas do que para incutir medo, seja pelas texturas de baixa qualidade ou pela forma como se movimentam.

Ao materializar nosso medo, revelando a aparência daquilo que antes apenas imaginávamos, o jogo perde força e se torna consideravelmente menos assustador. É um problema comum não apenas em jogos do gênero, como também no cinema: até mesmo ótimos filmes como Alien e Tubarão são minados, em mais de uma cena, pela necessidade de revelar um monstro cuja credibilidade é sabotada por questões técnicas.

FROM THE DARKNESS: SOBREVIVA À NOITE

Apesar de não ter um enredo propriamente dito, sendo mais uma sucessão de eventos do que uma história, From the Darkness acerta em oferecer um subtexto denso o bastante para estimular a interpretação do jogador. O diabo, como dizem, está nos detalhes: em uma ferramenta suja de sangue na prateleira, no retrato de soldados mortos sobre a mesa, em um cartaz de “Procura-se” no saguão do prédio. Emoldurada na parede do apartamento, uma fotografia mostra um idoso exibindo com orgulho um rechonchudo bebê para a câmera em preto e branco. Não existem conclusões aqui, apenas conjecturas. De minha parte, entendo que o jogo fala sobre as violências cometidas em tempos de guerra na União Soviética, incluindo o canibalismo forçado em épocas de grande fome. Mas há também material suficiente para debater a existência de um assassino mais corpóreo, possivelmente o falecido avô, que trabalhou duro para transformar o apartamento em um cenário de pesadelo.

O final de From the Darkness é repentino e talvez um pouco decepcionante, ainda que possa ser relevado no plano geral das coisas. De todo modo, faz bem em manter a essência e coesão do restante do jogo, negando-se a oferecer uma explicação fácil e estimulando as capacidades interpretativas de quem quiser se aprofundar na análise da trama.

Sucinto e bem projetado, From the Darkness foi uma grata surpresa neste momento em particular da minha vida, em que venho sendo assombrado por jogos que duram 200 horas. Bastaram 90 minutos para começar e terminar uma campanha que me deixou o tempo todo na ponta da cadeira, temendo aquilo que eu via na escuridão e, mais ainda, aquilo que não podia ver. Apesar de sua insistência em revelar o que deveria esconder, o jogo é recomendação certa para quem tem algumas Pampers sobrando e não sabe o que fazer com elas.

E se estiver se sentindo especialmente corajoso, experimente jogar no escuro, quiçá sozinho e com fones de ouvido. Depois volte para nos contar se sobreviveu (ou não) à experiência.

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