Devo começar este texto confessando que Horizon: Forbidden West foi um dos jogos que me incentivaram a comprar um Playstation 5, ao lado de Marvel’s Spider Man 2 e God of War: Ragnarok. Porém, enquanto estes últimos me decepcionaram em diferentes medidas, posso afirmar que Forbidden West, ao menos em parte, enfim atendeu às expectativas que eu tinha por um first-party da Sony.
Tenho enorme simpatia pelo primeiro jogo da série, Horizon: Zero Dawn, e o considero uma das melhores produções audiovisuais da última década. Não apenas o sistema de combate é formidável, oferecendo o mais satisfatório manejo de arco e flecha que já experimentei em um jogo, como também a narrativa se mostrou uma das mais inovadoras e bem construídas da geração passada.
Ao mesclar uma ambientação pós-apocalíptica clássica com dinossauros robóticos e sociedades tribais, Horizon: Zero Dawn conseguiu, absorvendo referências de diversas mídias (de Jurassic Park a The Last of Us), imprimir sua própria originalidade temática e mecânica em um mercado que se encontra cada vez mais pasteurizado – ainda mais se levarmos em conta o mercado de jogos triple A. Assim, depois de finalizar duas vezes a campanha de Zero Dawn ao longo dos últimos anos, eu estava mais do que pronto (e bastante ansioso) para descobrir o que me aguardava nas excelsas terras de Forbidden West.
Para conhecer as maravilhas – e o punhado de problemas – que encontrei por lá, vista sua melhor armadura de cipó, chame sua montaria e me acompanhe nesta perigosa, mas ensolarada viagem pelos parágrafos abaixo.
FORBIDDEN WEST: UMA JORNADA PROIBIDA
Horizon: Forbidden West é, em quase tudo, maior e melhor que seu antecessor. As animações faciais, por exemplo, que antes causavam estranhamento, agora estão certamente entre as melhores feitas nos últimos anos. Há uma miríade de personagens coadjuvantes, e todos são muito diferentes uns dos outros, cheios de detalhes e criados com muito esmero. Além disso, a Guerrilla Games acertou ao caracterizar a maior parte dessas figuras como pessoas reais, com traços muito distintos entre si – evitando a padronização de corpos e rostos idealizados que dominam os videogames e outras mídias.
As rugas de expressão, marcas e cicatrizes no rosto de cada personagem são honestamente impressionantes, e durante toda a campanha permaneci admirado com a fidelidade gráfica e a robustez da captura de movimento – sem falar no primoroso trabalho de dublagem. Faz sentido: há muito mais diálogos em Forbidden West do que havia em Zero Dawn, de modo que o trabalho de câmera durante as conversas, assim como a qualidade das texturas e animações, tornou-se essencial para injetar vida e dinamicidade a esses momentos – transformando cada bate-papo, por mais chato que seja, em uma deslumbrante experiência visual.
Mecanicamente, o jogo se destaca por aperfeiçoar a jogabilidade a partir das sólidas bases estabelecidas pelo primeiro jogo. E, nesse departamento, a Guerrilla acertou em cheio. Tudo o que já era bom na gameplay de Zero Dawn funciona ainda melhor em Forbidden West. Há uma variedade maior de armas, árvores de habilidades mais criativas, novas ferramentas e inimigos, além de uma base inteira ao nosso dispor – e o combate mais divertido de que tenho notícia nesta geração.
Os cenários de Forbidden West estão ainda mais impressionantes que no jogo anterior, e também muito mais variados, por vezes lembrando a estética de filmes como Planeta dos Macacos: O Reinado e a série Avatar, de James Cameron (especialmente na arquitetura de certas localidades, na organização dos povoados e no belo contraste entre luzes fosforescentes e paisagens naturais). Seja sobrevoando as ruínas iluminadas de Las Vegas, caçando máquinas em uma floresta à noite ou observando o pôr do sol no topo de uma montanha coberta de neve, Horizon: Forbidden West é um primor gráfico, alcançando o título de jogo mais bonito que já joguei na vida.
O uso das cores, a calibragem da iluminação e o uso geral do HDR são particularmente embasbacantes (ainda mais em uma TV OLED com as configurações bem azeitadas). À noite, o brilho da lua-cheia é refletido pela carapaça das máquinas enquanto a luz do luar se infiltra pelos galhos de uma árvore ancestral. Durante o dia, o céu queima como se houvesse uma bola de fogo realmente presa dentro da tela. A iluminação é perfeita, e uma lágrima escorre de cada olho toda vez que o Sol se põe.
Durante as 114 horas que levei para terminar a campanha, tirei um total de 2.115 capturas de tela¹, tanto dentro quanto fora do Modo Foto – aliás, o melhor e mais intuitivo Modo Foto com que já tive contato. Essa expressiva quantidade de screenshots, é claro, deve-se não (apenas) à necessidade que sinto de capturar boas imagens para ilustrar os artigos do Antropogamer, mas porque é muito fácil ficar de queixo caído com o visual do jogo.
Em Forbidden West, locomover-se pelo mapa e descobrir suas características já faz valer o preço do ingresso: arranha-céus engolidos pela natureza despontam de uma praia paradisíaca; as carcaças de ônibus e aeronaves restam agora como esqueletos sobre a vegetação cerrada; o mundo que conhecemos inteiramente retomado pela Terra um milênio depois do apocalipse.
Para azar daqueles que esperavam uma história tão boa quanto a do primeiro jogo, entretanto, Forbidden West infelizmente desaponta. À parte todas as melhorias gráficas e mecânicas – sem falar na bela trilha sonora, que mistura cordas e música eletrônica –, a sequência de Zero Dawn acaba derrapando justamente naquilo que fez do primeiro jogo tão formidável: sua narrativa.
UMA HISTÓRIA PERDIDA NO HORIZONTE
O enredo de Forbidden West se inicia pouco tempo depois dos eventos de Zero Dawn, e acompanha o deslocamento de Aloy até as titulares terras do Oeste Proibido – um convoluto e gigantesco mapa infestado de novas criaturas, alguns aliados e uma infinidade de ícones brigando pela nossa atenção. Apesar do louvável esforço dos roteiristas para criar uma história envolvente e impactante, a verdade é que, para um jogo com mais de cem horas de duração, pouca coisa de realmente relevante acontece durante a campanha de Forbidden West – ou pelo menos foi essa a impressão que restou ao fim dos dois ou três meses que levei para terminá-la.
O mundo criado pela Guerrilla Games é rico e detalhado, transbordando de informações sobre personagens, conflitos, localidades e civilizações. Mas boa parte das interações que tive com os habitantes desse universo – e por consequência boa parte dos diálogos – falharam em conquistar meu interesse. Isso porque as conversas acabam, quase sempre, arrastando-se mais do que deveriam em árvores de diálogo redundantes, por meio das quais os personagens repetem várias vezes a mesma informação, como se os próprios roteiristas não confiassem na eficiência de sua escrita ou (mais perigoso ainda) na capacidade de interpretação dos jogadores.
Há boas discussões em jogo, sim, como a constante tentativa de Aloy de se colocar à frente das situações e, ao mesmo tempo, encontrar sua individualidade sob a sombra de Elisabeth Sobeck. Mas, tudo somado, percebe-se que a história é bem mais fanfarrônica que a do jogo anterior, menos pragmática e ligeiramente mais barata, escorando-se em vilões caricatos e reviravoltas megalomaníacas.
Outro problema é a desnecessária e artificial complexificação da narrativa. A trama é relativamente simples, do tipo que poderia ser resumida em um curto parágrafo. Mas, assim como qualquer filme de Christopher Nolan (um diretor que adoro, mas que merece essa justa crítica), existe uma tendência do jogo a complicar o storytelling, mesmo quando os eventos narrados poderiam ser mais facilmente compreendidos se o roteiro optasse por uma exposição concisa.
A boa notícia é que, mesmo longe de alcançar a qualidade narrativa de Zero Dawn, a história de Forbidden West é interessante o suficiente para manter o jogador entretido. Há momentos emocionantes, tensão crescente e uma generosa dose de conflitos a serem resolvidos. Contudo, o enredo acaba se tornando estafante com o tempo, já que muitos personagens e acontecimentos se perdem em meio ao gigantismo da campanha principal – e entre todas as outras histórias contadas em paralelo pelas missões secundárias.
Pesa também o fato de que, ao contrário de um jogo como Baldur’s Gate 3, que tem personagens muito marcantes, Forbidden West acaba sendo um tanto genérico na forma como apresenta seus coadjuvantes, o que dificulta lembrar de todos os nomes e fatos constantemente mencionados.
Na prática, o que temos aqui é uma interação entre os personagens muito mais ampla do que vimos em Zero Dawn – o que poderia ser bom, mas não é. A todo momento, por exemplo, é possível falar com seus companheiros de equipe e aliados para obter informações, coletar novas tarefas ou apenas saber o que estão pensando. Mas a quantidade de linhas de diálogo é embaraçosa, sendo possível perder mais de dez minutos em uma conversa que, narrativamente, não leva a lugar algum.
Durante a maior parte da campanha, insisti em ouvir tudo o que os NPCs tinham para me dizer, subordinando-me a suas longas divagações. Vasculhei cada árvore de diálogo, dos galhos às raízes, tentando prestar atenção a todas as informações que o jogo lançava para mim. Demorei quase uma centena de horas para perceber que estava sofrendo à toa, pois raramente conseguia sequer me lembrar da conversa dois minutos depois de terminá-la. No fim, passei a aproveitar bem mais a trama depois que desencanei de oferecer meu ouvido como penico. Portanto, dica de ouro para você que pretende jogar Forbidden West: converse menos e faça mais, ou chegará (como eu) com a cabeça fustigada por informações inúteis ao final do jogo.
E já que falamos em fim de jogo, devo chamar atenção para o fato de que, apesar de sua duração imensa, a história de Horizon: Forbidden West não tem um final para chamar de seu. O jogo se encerra justamente quando as coisas ficam interessantes, em um gancho que basicamente divide a narrativa em duas metades: uma pela qual você está pagando agora, e outra pela qual pagará em uma inevitável sequência.
MISSÕES SECUNDÁRIAS EM FORBIDDEN WEST
Uma das fraquezas de Horizon: Zero Dawn eram suas missões secundárias, bastante insossas para um jogo de resto tão primoroso. Em geral, pelo que consigo puxar da memória, as sidequests envolviam tarefas corriqueiras como “encontre o item X”, “salve o personagem Y” ou “descubra o que aconteceu na região Z”. Eram pouco memoráveis e, diante do magnífico desenvolvimento da narrativa principal, acabaram se tornando o calcanhar de Aquiles da produção.
Pois a Guerrilla parece ter ouvido as reclamações de público e crítica, e decidiu investir pesado na remodelagem de seu sistema de missões secundárias, dedicando a elas tanto carinho e cuidado quanto para o restante do jogo. Em Forbidden West, as missões paralelas são boas e divertidas, com histórias geralmente complexas, ao contrário do que acontecia no jogo anterior.
Várias das sidemissions rendem acontecimentos únicos, como encontros com chefes e situações que por vezes excedem a qualidade da própria missão principal. No entanto, com frequência a quantidade de histórias paralelas se torna um empecilho: afinal, quando estiver com seu backlog cheio (na casa de dezenas de missões ao mesmo tempo), vai ser difícil se lembrar do contexto de cada missão secundária, e é provável que você acabe muitas vezes cumprindo-as por inércia, sem se lembrar exatamente de quem está ajudando ou por quê.
Nesse sentido, há um grande problema com as missões secundárias: a maioria vale muito a pena, sim, pois oferece novos lugares para explorar e inimigos diferentes para enfrentar, indo além do leva e traz comum aos jogos de mundo aberto. A narrativa de cada missão também costuma ser envolvente, explorando tanto os conflitos políticos e socioculturais daquele universo quanto o background pessoal dos diferentes personagens que ajudamos.
Porém, existe aqui um certo exagero por parte dos roteiristas, pois muitas histórias são complexas demais para missões que levam de 30 a 40 minutos para serem finalizadas. Considerando essa duração média para uma sidequest em Forbidden West, podemos dizer que, em uma sessão de três horas de jogo, somos capazes de concluir cinco ou seis missões secundárias, cada uma com seu próprio e intrincado corpo de personagens e situações. Parece ótimo no papel. Mas, na prática, significa que a cada nova sidequest você terá corpulentos diálogos expositivos contextualizando aquela missão, com algum personagem desovando em seus ouvidos uma infinidade de nomes e localidades que acabarão, ao término dessa meia hora, tornando-se pouco mais que isso: nomes e localidades soprados ao vento.
Assim, quando estiver fazendo a terceira ou quarta missão secundária em sequência, esperando subir de nível para continuar a missão principal, é bem provável que você já não se lembre o que está fazendo ou quem está ajudando, e se perceba apenas seguindo uma orientação no mapa. Evidentemente, é possível solucionar esse “problema” cumprindo uma missão de cada vez, tentando finalizá-las em linha reta para mantê-las frescas na memória – mas, convenhamos, isso vai contra a proposta de um jogo de mundo aberto, em que a intenção é libertar o jogador de quaisquer amarras para que flua livremente pelo cenário.
Com essas considerações, é necessário dizer que, paradoxalmente, as missões secundárias são ao mesmo tempo a maior força e maior fraqueza de Horizon: Forbidden West. Em sua maioria elas são relevantes, divertidas e profusas em background narrativo – justamente o que nós, enquanto jogadores, costumamos pedir desse tipo de atividade. Por outro lado, parece haver uma descalibragem no produto final, um excesso de sidemissions, de diálogos e personagens que muitas vezes acaba sufocando o jogador mais do que oferecendo refresco.
HORIZON: FORBIDDEN WEST E A DIVERSÃO PROIBIDA
Sendo justo, essa mesma descalibragem se estende ao restante do jogo. Forbidden West tem simplesmente coisas demais a se fazer: corridas a cavalo estilo Mario Kart, Pescoções a serem escalados, ruínas que funcionam como quebra-cabeças, campeonatos de um complexo jogo de tabuleiro e dezenas de tarefas, trabalhos e contratos para serem cumpridos em um mapa de um milhão de quilômetros quadrados. Tamanha é a extensão do território que, mesmo depois das cem horas de jogo, diversas regiões permaneciam inexploradas.
Há várias melhorias e adições em relação ao primeiro jogo, sim, e a maior parte delas funciona bem: temos agora tempestades de areia no deserto, combate corpo a corpo aprimorado, seções submersas, escalada estratégica, maior variedade de caldeirões, mais atividades, mais colecionáveis, mais tempo de jogo – mais tudo.
Porém, isso acaba deixando Forbidden West em uma situação delicada. Ao mesmo tempo que oferece muito, por vezes a sensação é de que o jogo entrega pouco, já que a estafa provocada por seus excessos dessensibiliza o jogador para suas qualidades, que começam a se tornar redundantes depois das primeiras 50 horas. Assim, a impressão é de que Horizon: Forbidden West está sempre se equilibrando em uma corda bamba, indeciso entre ser espetacular ou apenas repetitivo, entre divertir e provocar cansaço, dado o titânico escopo de sua estrutura.
Para arrematar esta crítica, devo ressaltar que a dificuldade de alguns chefes me pareceu agressivamente desproporcional quando comparada aos inimigos comuns. Jogando no nível Muito Difícil (que considero ideal na maior parte do tempo), tive sérios problemas com três ou quatro bosses específicos, responsáveis talvez por 90% de todas as mortes que sofri durante a campanha. Além disso, preciso também salientar que este é mais um jogo em que os desenvolvedores acharam por bem inserir puzzles de arrastar caixas. Sim, é isso mesmo: ainda que represente o ápice da tecnologia moderna, do game design e da captura de movimento, Forbidden West se sente confortavelmente old school o bastante para propor ao jogador que se divirta empurrando blocos, como faziam os astecas – uma decisão que parece afetar jogos de diferentes gêneros e orçamentos nos últimos anos, de A Plague Tale a God of War, e que jamais serei capaz de compreender.
Por fim, deixe-me concluir esta resenha dizendo que, apesar de todos os problemas que apontei, a verdade é que me diverti horrores jogando Horizon: Forbidden West – da forma como me diverti com poucos jogos até hoje. Se você acompanha o Antropogamer, deve ter percebido uma lacuna na periodicidade de nossos textos desde o fim do ano passado. Isso se deve, em parte, a profundas mudanças pelas quais passei nos últimos meses, e que afetaram sobremaneira minha rotina, mas também meu espírito.
Basta dizer que tanto minha vida pessoal quanto profissional foram afetadas ao mesmo tempo, por diferentes e não relacionados motivos, e precisei lidar com uma súbita mudança de ares, muitas contas a pagar e um grande aperto no peito. Tudo isso tirou de mim a vontade de escrever, de jogar videogame e, ainda mais, de escrever sobre videogames. Por quase dois meses entrei em um estado de suspensão, desmotivado até mesmo a publicar matérias que já estavam escritas.
Ainda que não esteja totalmente readaptado à minha nova rotina, posso afirmar que estou (devagar, devagarinho) começando a voltar aos trilhos. Pelo menos a motivação para jogar e escrever está voltando a ganhar corpo, e acredito que devo isso, em grande medida, a Horizon: Forbidden West. Foi com Aloy e sua turma, percebo agora, que enfim retomei minha paixão por joguinhos eletrônicos, um feito que por si só me provou quão magnífico é esse Oeste Proibido. Por isso, não se deixe enganar pela parcela mais crítica deste artigo, e confie em mim quando digo com toda a sinceridade: apesar de seus defeitos, Forbidden West é um grande, grande jogo – e não apenas no tamanho.
APOIA.se
Se você gosta da proposta diferenciada do Antropogamer e tem condições de nos ajudar a produzir mais conteúdo, considere nos dar uma força em nossa humilde campanha do Apoia.se. Toda contribuição é igualmente bem-vinda, por menor que seja, e será destinada a manter este site (e seu criador) vivo e bem alimentado.
¹ Tirar tantas fotografias pode parecer uma perda de tempo, se você perguntar a outros jornalistas de games (já reparou quantas resenhas se utilizam das mesmas imagens de divulgação fornecidas pelo estúdio, em vez de suas próprias?), mas o fato é que, como bem sabem os fotojornalistas, imagens são tão impactantes quanto palavras – motivo pelo qual busco valorizar tanto a tecitura do texto quanto a composição visual da cada matéria aqui publicada.