Dead Nation é rápido e certeiro, como um tiro na cabeça ou uma granada explodindo na multidão. Você se senta para jogar despretensiosamente em um fim de semana, como fazia nos tempos de SNES, e convida seu primo ou seu amigo ou o vizinho (no meu caso, foi minha irmã) para jogar apenas uma partidinha depois do almoço, e quando se dão conta estão jogando ininterruptamente há três horas tentando apenas sobreviver a só mais esta fase, tentando matar apenas só mais este chefe antes de responder aos chamados da vida adulta que tentam, sem sucesso, arrancar vocês dois do sofá.
O jogo já começa com o pé na porta, com uma introdução meio live-action, meio CGI, ao som da porradeira Overdose, do Alec Empire, fritando os alto-falantes para perfurar os tímpanos sensíveis daquela síndica xarope, e daí pra frente o show só melhora.
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As coisas começam intensas, com a cidade inteira queimando enquanto você e seu player 2 avançam lado a lado combatendo os desmortos. O início é sofrido: seus personagens têm uma única opção de arma e precisam de vários tiros para derrubar cada inimigo. Mas então, banhados em suor e lágrimas e sangue vocês avançam até o primeiro checkpoint e, com o dinheiro acumulado até aqui, podem agora comprar melhorias várias como maior poder de fogo e mais munição e novas armas. Vocês começam a se sentir poderosos. Meia hora depois, estão adquirindo um lança-chamas. Duas horas depois, sua primeira bazuca.
O jogo nunca se torna fácil, entretanto. Ao longo das dez fases que se leva para completar a minicampanha – e que reproduzem cenários-tropo de filmes de zumbis, como cemitérios, autoestradas e hospitais –, Dead Nation usará tudo o que tem contra vocês. De mortos-vivos ordinários (muitos deles engravatados, carregando ainda a pastinha de couro do trabalho) até criaturas monstruosas com lâminas no lugar dos braços, o jogo mantém os jogadores em um ciclo perpétuo de tensão e recompensa.
Cada inimigo – e em menor medida também cada nível – exige uma estratégia mais ou menos específica para ser vencido. Os zumbis comuns tiram pouca vida, mas podem facilmente cercar os jogadores e afogá-los no próprio sangue, de modo que é necessário administrar com cuidado o pastoreio das hordas pelo cenário a fim de atraí-las por corredores estreitos, enfileirando os defuntos para facilitar o abate. Já os grandalhões precisam de muitos tiros para morrer e contam com diferentes táticas a favor deles: alguns saltam para despencar com violência sobre a cabeça dos jogadores, outros explodem quando próximos; e existe um especializado em convocar todos os outros para dar cabo da diversão de vocês.
Mesmo que o foco esteja na jogabilidade, há uma história rolando entre os capítulos de Dead Nation. E ainda que ela esteja lá apenas para contextualizar o banho de sangue do próximo nível, você e cia. logo se descobrirão verdadeiramente interessados em acompanhá-la. Afinal, trata-se de uma narrativa aos moldes clássicos de Romero, contando a história de dois sobreviventes que precisam enfrentar não apenas enxames de criaturas famintas, como também a ganância corporativa e a corrupção governamental que levaram ao fim do mundo em primeiro lugar.
À medida que avançam pelos capítulos, devolvendo à tumba o corpo insepulto de pessoas que antes eram bombeiros, empresários e até mesmo palhaços, decapitando e explodindo e queimando a carne de centenas de inimigos que pululam no cenário, você e sua dupla se darão conta de que precisam trabalhar em equipe. É verdade que o jogo segue em frente mesmo se um dos dois morrer, bastando o outro jogador chegar ao próximo ponto de salvamento para restituir a existência do coleguinha. Mas, com o tempo, será impossível dar conta dos inimigos sozinho, de modo que você precisa estar sempre de olho não apenas em sua própria segurança, mas também na segurança de seu parceiro (ou parceira) de equipe.
Colando as costas de um personagem às costas do outro, vocês deverão formar uma única entidade que se move ao redor do mapa em dois corpos diferentes se quiserem vencer. Em algumas circunstâncias, será necessário coordenar estratégias de pinça, com um jogador atacando de cada lado. Em outras, vocês deverão se reunir no centro da tela, cada um defendendo sua parte do perímetro.
Independentemente da fase, uma estratégia será mais frequente que todas as outras ao longo da campanha de Dead Nation: um constante vaivém na movimentação dos personagens que permitirá a vocês avançar lentamente pelo mapa, seguindo em frente quando a barra estiver limpa mas retrocedendo sempre que aparecer um novo grupo de inimigos grande o bastante para sobrecarregá-los.
Nesse cenário, avisar ao outro jogador antes de lançar uma granada ou disparar um míssil se torna não apenas uma questão de etiqueta, é bom dizer, como também de autopreservação (lembre-se de que manter seu aliado vivo ajuda a garantir sua própria sobrevivência). O mesmo vale para minas, granadas ou qualquer outro explosivo que possa ferir indevidamente seu parceiro ou parceira de equipe.
E lembre-se de tomar cuidado antes de lançar um coquetel molotov – você pode acabar colocando fogo não apenas em seu inimigo, como também no restante da cidade.
Você e seu companheiro de fim de mundo irão criar novas estratégias para cada nível e reciclar estratégias antigas sempre que um novo tipo de inimigo aparecer, tentando se adequar um ao estilo de jogabilidade do outro. E quando surgir no chão um raro pacote de vida ou munição, vocês farão como as formigas e democraticamente decidirão que os recursos devem ficar com quem mais precisa deles, de modo a balancear organicamente a quantidade de suprimentos à disposição do time.
Dividindo responsabilidades, você e quem quer que esteja compartilhando o sofá com você vão dar uma risadinha tensa quando morrerem pela enésima vez no mesmo trecho de cinco minutos do jogo. Mas, em vez de apontar dedos ou encontrar culpados, vão sacudir a poeira e quem sabe dar uma passada rápida no banheiro, tomar um gole d’água e então voltar para a frente da TV prontos para tentar de novo, e de novo, e mais uma vez, até conseguirem finalmente avançar para a próxima fase.
Por coisa de seis ou sete horas – dependendo de quão bem ou mal jogarem –, você e seu irmão ou irmã em armas formarão um vínculo inquebrantável, e apenas por muito pouco serão capazes de romper a barreira interposta em seu caminho pelos cadáveres reanimados. Vocês irão lutar e sofrer e comemorar juntos por uma tarde inteira, e quem sabe mesmo pelo início da noite, em uma batalha feroz de botões esmagados e ombros tensionados, e quando menos perceberem o jogo chegará ao fim (em uma conclusão pessimista que apenas comprova a influência romeriana sobre a narrativa). Tão rapidamente quanto começou, essa frenética experiência terá chegado ao fim, deixando para trás uma sensação mista de orgulho e alívio.
Você e sua companhia vão suspirar ufas e bradar vitória, dizendo coisas como enfim terminamos e não acredito que enfim terminamos. Mas logo em seguida, enquanto a adrenalina se dissipa e os créditos rolam na tela, também vão se dar conta de que não queriam realmente que o jogo terminasse, e começarão a se perguntar o que podem jogar agora para substituir esse repentino vazio.
Quem sabe Alienation, um de vocês sugere, o sucessor espiritual de Dead Nation? Ambos feitos pela desenvolvedora Housemarque, a mesma de Returnal, aquele outro jogo ali esperando na prateleira. Um minuto inteiro se passa e o jogo retorna para a tela inicial, então alguém finalmente diz vamos lá, toca aí esse Alienation pra gente ver se é bom, e recuperando o joystick sobre o sofá você diz simbora e com um sorriso no rosto endireita a coluna e aumenta o volume e se prepara para a batalha antes de começar a pensar em seu próximo texto.