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Review Control

Control: um devaneio tarja preta

Uma ruiva, um zelador e um cientista entram num bar.

 take  _________________________________________ control

DEPARTAMENTO FEDERAL DE CONTROLE

– CONFIDENCIAL –

(EMA-665)

ATENÇÃO: ESTE █████████ É PARTE INTEGRANTE DA PASTA ███████████. CONF. INFORMAÇÕES ADICIONAIS NO RELATÓRIO QB-001 [AUTORIZAÇÃO DE ACESSO NÍVEL 2 NECESSÁRIA].

Como parte da iniciativa do Departamento Federal de Controle para testar a recepção pública a fenômenos paranormais, o objeto de poder AI17-UE foi originalmente divulgado/lançado em 2019, sob a forma do jogo eletrônico multiplataforma Control (nome sugerido pelo Departamento de Assuntos Desumanos). Publicado pela subsidiária Remedy, o jogo conta a história da personagem Jesse Faden, uma jovem mulher em busca de seu irmão há muito perdido, enquanto explora/enfrenta os mistérios aparentemente infinitos da Casa Mais Antiga – espécie de Yggdrasil que conecta diferentes jogos/realidades e abriga o supracitado Departamento Federal de Controle, agência governamental responsável por lidar com acontecimentos sobrenaturais diversos.

Federal Bureau of Control, FBC, Departamento Federal de Controle

O choque entre o mundano e o fantástico – entre a rotina burocrática de um escritório do governo e a completa sandice de um mundo atravessado por eventos paranormais (como eletrodomésticos possuídos e chiados assassinos) – é em grande parte responsável pelo charme de Control, que mescla duas das principais referências em programas de TV dos anos 90 para dar forma a sua narrativa: Arquivo X e ████ █████, com especial predileção por emular os méritos/cacoetes deste último. É uma pena, no entanto, que muitas das qualidades inerentes a sua incrível proposta acabem se perdendo em um produto indeciso, que não sabe muito bem o que quer da vida.

UMA NARRATIVA FORA DE CONTROLE

Há histórias verdadeiramente maravilhosas sendo contadas em Control (quase todas fora do caminho principal, e portanto passíveis de serem ignoradas), como aquela da geladeira assassina, do espelho que sequestra pessoas ou minha favorita, por sua intersecção precisa entre banalidade e horror: a história de um escritório dominado pela duplicação infinita de um único post-it.

Control, post-it

Por outro lado, a narrativa principal de Control sofre do/a mesmo/a problema/maldição que tantos outros jogos contemporâneos: morna e inconclusiva, ela nos arrasta por dez horas ou mais sem que nada de relevante pareça acontecer. Jogando-nos de um MacGuffin/pepino para outro, o enredo é tão simplório que não faz o menor rodeio para, no pior estilo “a princesa está em outro ███████”, aprisionar o jogador em um ciclo contínuo de busca por objetos/objetivos que continuam mudando de um lugar para outro, como se apenas para estender artificialmente a duração da história. E nem me deixe começar a falar sobre a conclusão do jogo, precipitada e carente de qualquer recompensa/payoff que o investimento do jogador pudesse esperar.

Os diálogos também são em geral bastante insossos, servindo em essência para despejar explicações sobre aquele universo em cima do público. Some-se a isso as animações faciais tipo boneco de cera, o constante monólogo interior da protagonista e a tendência do roteiro de ser paradoxalmente críptico e prolixo, e toda a qualidade das pequenas histórias contadas por Control acaba sendo puxada para baixo pela falta de viço da narrativa principal.

Control, Ahti

Colabora para essa sensação de potencial perdido a (falta de) construção e desenvolvimento dos personagens, que carecem de arcos narrativos delineados para além do esboço mais básico/preguiçoso – principalmente a protagonista. Acontece que Jesse Faden é uma casca vazia, tal como era ████ █████ em Quantum Break: uma tabula rasa em que o jogador pode projetar/espelhar quaisquer características psicológicas, já que pouco background é oferecido em termos de caracterização de personagem.

Existe, sim, uma elaborada história que explica as origens de Jesse, problematizando seu passado e oferecendo um pano de fundo para entendermos a situação em que ela se encontra. Mas raramente vemos a personagem expressar quaisquer emoções/sentimentos, de modo que ela acaba sendo definida mais pelo seu trauma do que por suas qualidades/idiossincrasias – um erro tão mais gritante por se tratar de uma personagem feminina. 

Control, Jesse Faden

Prova de que a história de Control e seus personagens são mal escritos é a forma como o roteiro lida com █████, irmão da protagonista. A motivação primeira de Jesse é encontrá-lo, e todas as suas ações no decorrer do jogo são, direta ou indiretamente, motivadas por esse desejo. Mas, quando ambos finalmente se encontram, o resultado para a narrativa é praticamente nulo: em questão de minutos █████ é escanteado pelo roteiro e não chegamos em nenhum momento a compreender o impacto desse encontro em Jesse, tal é o descaso do enredo com os plots que estabelece.

A QUESTÃO DOS TEXTOS EM CONTROL

Ao mesmo tempo que exala uma vibração lynchiana, devidamente etérea e subjetiva quando ajustado na frequência certa (como se vê pelo zelador Ahti, nitidamente inspirado no diretor de ███████ ███████ e único personagem de fato interessante do jogo), Control sente uma incontrolável necessidade de abarrotar o jogador com informações, diálogos e explicações que se atravessam e conflitam com o clima de ficção especulativa/suspense do jogo.

Assim, se por um lado os ambientes sugerem mistério e estimulam a interpretação – a exemplo dos cômodos/móveis que continuamente se reconfiguram/reposicionam no interior da Casa –, por outro temos uma enxurrada de documentos, arquivos de áudio e textos (muitos textos) que elaboram exaustivamente sobre temas que seriam melhor trabalhados se pudessem repousar nas lacunas de nossa imaginação.

Treshold Kids

Control tem ao todo 412 itens colecionáveis, sendo a maioria deles arquivos de texto – folhas soltas que encontramos pelo cenário, às vezes várias em um mesmo ambiente. Esses documentos se aprofundam no folclore/mundo do jogo, revelando desde banalidades ocorridas no Departamento Federal de Controle (como o desaparecimento de um banheiro) até grandes nacos de informação sobre o passado de Jesse – que, se inseridos na narrativa principal, fosse em forma de diálogo ou monólogo, tornariam a experiência toda muito mais palatável.

Ironicamente, é nesses documentos/colecionáveis que residem simultaneamente a melhor e a pior parte do jogo. Se numa mão temos excelentes histórias sendo contadas em forma de arquivos, quase como uma coletânea de contos weird fiction sobre eventos extraordinários, em outra fica claro que a forma escolhida para compartilhar esse conteúdo com o jogador/leitor em nada dialoga com a proposta de Control, um jogo de ação e ████ em terceira pessoa.

Resenha Control

Somados, os arquivos de texto totalizam mais de 200 páginas, que necessariamente devem ser lidas para que a experiência planejada pela desenvolvedora seja completa. Sem essa leitura, sobra apenas uma história superficial/indistinta e um jogo de ████ meia-boca, de modo que ler & jogar o livro-jogo Control são ações igualmente esperadas de quem está com o controle nas mãos. 

Mas me diga, fiel ██████: quem é que deseja parar de jogar a cada cinco minutos para entrar no menu do jogo e ler uma página de cada vez, depois voltar a jogar por cinco minutos até entrar no menu do jogo e ler uma página de cada vez, depois voltar a jogar por cinco minutos até entrar no menu do jogo e ler uma página de cada vez, e assim sucessivamente do início ao fim da experiência? É como ler um conto de cinco páginas que, para ser compreendido, exige a leitura adicional de 50 páginas em notas de rodapé.

Remedy

Não me entenda mal: eu adoro ler. Gosto tanto que transformei a leitura em profissão. Mas não quero ler uma coletânea de 200 páginas dentro de um jogo de ████, não importa quão bem escritas elas sejam. As duas mídias (literatura e videogame) podem, sim, ser perfeitamente combinadas, desde que formem um todo coerente – o que, no entanto, está bem longe de acontecer aqui.

Em Control, há um evidente conflito entre a parte narrativa e cerebral (proposta pelo criativo worldbuilding) e o foco na ação (cerne de toda a jogabilidade), como se dois jogos diferentes tentassem coexistir em um mesmo produto, digladiando-se pela atenção do jogador. Fosse Control um jogo de escolhas ou mesmo um walking simulator, teria provavelmente sido um jogo muito melhor, daqueles que ressonam por meses em nossa lembrança. Mas, optando por ser um jogo de ████, porrada e bomba, acaba tendo sua parte mais brilhante – a construção de mundo e a atmosfera – ofuscada por um estranho design de níveis e um combate opaco/contraditório, que não empolga apesar de oferecer múltiplas mecânicas/abordagens.

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DO COMBATE

No papel, o combate de Control deveria ser espetacular (e por pouco não chega a ser). Jesse começa como um avatar ordinário, sem qualquer habilidade e contando apenas com uma pistola/arma de serviço, mas rapidamente ganha um leque de habilidades telecinéticas que a transformam em um tipo de super-heroína. É possível lançar objetos do cenário nos inimigos, esquivar-se em alta velocidade e, depois de um tempo, até mesmo voar pelos salões brutalistas do Departamento. Os ambientes são quase totalmente destrutíveis, deixando um rastro de caos/devastação ao término de cada peleja.

Mesmo assim, de alguma forma miraculosa, o combate simplesmente não funciona, tornando-se monótono/repetitivo ainda que tenhamos tantas habilidades à disposição. Parte da culpa é dos cenários, sobrecarregados de concreto e monocromáticos; outra é dos inimigos, sem variedade e estrategicamente limitados. Mas o verdadeiro motivo pelo qual os combates são tão enfadonhos, percebi depois de alguma reflexão, é o ████████ de Control.

Ainda que existam diferentes configurações para a arma de Jesse (infelizmente limitadas por opções pouco criativas), ██████ em Control não é divertido. As armas carecem de impacto e, jogando na dificuldade-padrão, os inimigos são esponjas de bala, arrastando a duração dos confrontos para muito além do aceitável – sem falar no sistema automatizado de cobertura, que gruda/desgruda como bem entender a personagem das paredes, mesas e barricadas, vez por outra resultando em sua/nossa morte.

Para piorar, os poderes de Jesse são limitados por uma barra que se esgota com facilidade e se regenera mais lentamente do que qualquer um gostaria, de modo que não podemos utilizá-los a gosto. Junte-se a isso a tortuosa navegação pelo mapa/cenário e a possibilidade de inimigos eclodirem em quase qualquer parte da Casa, e pronto: temos aqui a receita do tédio. 

Análise Control

No papel, o combate deveria ser espetacular. Na prática, porém, é apenas o ████████ feijão com arroz que todos conhecemos. Salpicado de poderes incríveis, é verdade, mas limitado por espaços fechados e inimigos sem sal, que exigem pouco mais para serem vencidos do que pontaria e paciência, muita paciência.

CONTROL: APENAS OUTRA SEGUNDA-FEIRA

Existem obras/produtos maiores que a soma de suas partes, o que significa dizer que o resultado final excede as expectativas geradas por seus componentes em uma análise individual. Um jogo que misture corrida de patins e confrontos armados, por exemplo, pode não fazer especialmente bem nenhuma das duas coisas, mas ainda assim se tornar especial pela combinação única a que se propõe. Control, por outro lado, enquadra-se no extremo oposto desse raciocínio: apesar de suas qualidades individuais (a atmosfera, a construção de mundo, a estranheza de sua proposta), falta algo que seja capaz de sustentar o todo, algum tipo de cola/direcionamento para juntar/organizar todas as suas boas ideias em um produto minimamente mais coeso.

Control, Darling

O que sobra é um jogo de opostos: Control tem boas histórias para contar, mas não sabe como contá-las; preocupa-se com a construção de mundo, mas ignora o roteiro; enfatiza a ação, mas oferece um entediante combate. Com um saldo final que deixa a desejar, o principal benefício da experiência é conectar tematicamente os demais jogos da Remedy em um mesmo universo – o que também não significa muita coisa.

De minha parte, depois de ver os créditos rolarem não uma, mas duas vezes, sobra o desejo de que a desenvolvedora consiga, em uma futura sequência, contornar os muitos problemas de Control e canalizar suas potencialidades em um jogo narrativamente mais robusto e mecanicamente menos limitado, para que os erros de hoje pavimentem os acertos de amanhã. Afinal, é como dizem: o segredo do sucesso está na █████████.

 

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