Confesso que, julgando pelos trailers, eu não esperava muito de A Quiet Place: The Road Ahead, jogo de stealth baseado na franquia de sucesso criada por John Krasinski. A proposta da desenvolvedora Stormind Games parecia de alguma forma genérica, ou mesmo deslocada do universo cinematográfico, como que pegando carona na popularidade dos filmes. Ainda assim, fiquei curioso o suficiente para dar uma chance à produção, e não me arrependo de tê-lo feito.
Para mim, a grande questão era descobrir se Road Ahead estaria mais inclinado à atmosfera soturna e intimista do primeiro filme ou à megalomania vazia com que vêm sendo tratadas as sequências. Quando assisti a Um Lugar Silencioso (2018) pela primeira vez, meses após seu lançamento, fiquei desapontado comigo mesmo por não ter ido ao cinema prestigiá-lo. Com um roteiro tenso e corajoso, o filme é tão bom que sua sequência direta, lançada em 2020, acabou obscurecida em comparação, incapaz de replicar o perfeito equilíbrio entre ação e suspense alcançado pelo original – e nem vou comentar Um Lugar Silencioso: Dia Um, tenebroso spin-off lançado em 2024.
Para nossa sorte, A Quiet Place: The Road Ahead bebe diretamente da fonte criativa do primeiro filme. Essa boa notícia vem, no entanto, com um triste revés: o jogo é tão influenciado pelo filme que não consegue sair de sua sombra. É muito bacana ver alguns importantes elementos do roteiro original transformados em mecânicas, a exemplo das trilhas de areia que precisamos criar para abafar nossos passos. Menos bacana, porém, é a forma como o jogo abusa de diversos tropos replicados de Um Lugar Silencioso.
Não cabe aqui elaborar as semelhanças, pois Road Ahead merece ser jogado sem que você saiba muito sobre ele, a fim de aproveitar a história. Mas existem tantas situações, cenas e cenários compartilhados pelas duas obras que, de tão familiares, fica claro que os desenvolvedores preferiram copiar o que havia de mais icônico no filme – apostando que essa “homenagem” ressoaria com o público – do que colocar suas fichas em uma narrativa plenamente liberta de sua versão cinematográfica.
Fico com a impressão de que, em termos narrativos, a franquia entregou o que tinha para entregar em Um Lugar Silencioso, e ninguém mais soube desenvolver aquele universo desde então. Essa impressão se mantém de pé com o jogo da Stormind Games. Sua inspiração é justamente o que faz de A Quiet Place: The Road Ahead uma boa adaptação, pois o jogo tem seu coração no lugar certo. Contudo, é também sua maior fraqueza, já que o enredo não consegue transcender as influências do filme para caminhar com as próprias pernas.
A QUIET PLACE: THE ROAD AHEAD (E O QUE ENCONTREI POR LÁ)
Devo reforçar que, à parte essas reclamações iniciais, fiquei positivamente surpreso com o jogo. A primeira boa impressão foi deixada pelos gráficos, que estão muito mais bonitos do que fazem jus os trailers ou mesmo as capturas de tela desta matéria. Jogando no escuro, em uma TV OLED e com fones de ouvido, o nível de imersão foi tal que em muitos momentos me peguei prendendo a respiração enquanto tentava lidar com os Anjos da Morte – as criaturas cegas, mas nem um pouco surdas da série.
Gráficos não são, aliás, algo que costumo ressaltar em minhas críticas aqui no Antropogamer. Mas realmente fiquei impressionado com a qualidade de Road Ahead nesse departamento. O jogo está longe de ser tão impressionante quanto uma produção blockbuster, mas é notável o cuidado que os desenvolvedores tiveram quanto à fluidez das animações, textura dos cenários e, principalmente, iluminação.
Aqui e ali é possível observar rebarbas, como a movimentação esquisita dos monstros ao saltar de um lugar para outro ou certos problemas no sistema de colisão, bem como um pouco de screen tearing (o que não necessariamente se refere à fidelidade gráfica, mas atrapalha o visual como um todo). Apesar disso, a ambientação em geral está bastante realista, fazendo o possível para aproximar o jogo de suas contrapartes cinematográficas – especialmente se você ativar o modo cinema, que insere barras pretas na tela para emular o formato widescreen.
Em termos de jogabilidade, A Quiet Place: The Road Ahead se comporta como uma miscelânea dos principais jogos de horror e stealth da última década, apropriando-se de mecânicas já consagradas e adaptando-as para acomodar os desafios particulares desse mundo silencioso.
Em entrevista, o diretor Manuel Moavero mencionou Alien: Isolation como uma das grandes influências no desenvolvimento de Road Ahead, mas a verdade é que o jogo acaba se parecendo muito mais com o também excelente Outlast. Ainda que disponha de mais ferramentas que o jogo da Red Barrels – como distrações que afastam os inimigos e um sistema de saúde próprio –, A Quiet Place se utiliza de uma progressão muito similar a Outlast, segmentada em pequenas fases que funcionam como setpieces lineares, ao contrário do mapa interconectado de Isolation.
Olhando em retrospecto, sinto até que demoraram para fazer um survival horror de Um Lugar Silencioso. A proposta do filme combina perfeitamente com as mecânicas de um jogo furtivo de horror, que naturalmente costuma incorporar o silêncio e a movimentação cuidadosa como partes fundamentais da jogabilidade. E apesar de ser um jogo mecanicamente simples, fazendo o feijão com arroz que esperamos de um jogo em stealth, A Quiet Place: The Road Ahead tira algumas cartas da manga para apimentar a experiência.
Nesse sentido, destaca-se um recurso em particular, que funciona mais ou menos como o sistema de insanidade de Amnesia: Dark Descent. Quanto mais próxima está das criaturas, mais a protagonista se sente sufocada. O melhor é que essa mecânica está diretamente atrelada à narrativa, já que Alex – a personagem que controlamos – sofre de asma.
Tanto o desgaste físico (como carregar objetos e escalar plataformas) quanto o estresse mental prejudicam a respiração de Alex. Ao ficar sobrecarregada, ela se torna suscetível a uma súbita crise asmática que entregará sua posição ao inimigo – o que pode ser evitado consumindo bombinhas de asma que encontramos pelo cenário. É um recurso simples, mas que funciona tanto ao nível da jogabilidade quanto da trama, adicionando uma camada extra de tensão e dificuldade.
Outra mecânica básica, mas igualmente criativa, envolve a interação com portas, dutos de ventilação e gavetas que precisamos abrir e fechar enquanto nos deslocamos pelo cenário. Sabemos que abrir trancas e vasculhar escrivaninhas é um dos recursos mais batidos dos videogames. Em Quiet Place, entretanto, a necessidade de se manter em silêncio gera um novo tipo de desafio para essas tarefas tão formulaicas, pois devemos controlar o nível de ruído que produzimos ao interagir com os objetos.
MUITO BARULHO POR NADA
Mesmo sendo um jogo relativamente curto (levei nove horas para finalizá-lo), senti que alguns trechos de Road Ahead pareceram ligeiramente redundantes ou repetitivos. Não tanto pelas mecânicas em si, que são até bastante diversas, mas pela própria condução das situações em que a protagonista se envolve. Todas as missões se parecem muito entre si, e geralmente envolvem resolver quebra-cabeças ou alcançar uma passagem enquanto um ou mais inimigos circulam pelo ambiente – um desafio ludonarrativo que jogos de horror e furtividade em geral ainda não conseguiram superar.
Nossa movimentação é dificultada por obstáculos do cenário (como latas, cacos de vidro e galões vazios), que geram diferentes níveis de ruído ao encontrar nosso dedão do pé. É importante estar atento aos arredores e olhar onde pisa para garantir sua sobrevivência. Até mesmo um amontoado de folhas secas ou poças d’água são o bastante para chamar atenção dos monstros, quase sempre nos levando à morte súbita.
Para gerenciar a quantidade de barulho que fazemos ao nos movimentar e interagir com o mundo, temos à disposição o fonômetro, um aparelho que mede separadamente os níveis de ruído gerados por nós e pelo ambiente. Não faz qualquer sentido do ponto de vista lógico (afinal, todo barulho que fazemos se torna parte do som ambiente), mas funciona em termos de jogabilidade, obrigando-nos a constantemente verificar o aparelho para garantir que não sejamos mais barulhentos que o cenário ao redor.
Essa mecânica gera situações interessantes. Há certos locais, por exemplo, em que bombas d’água são ativadas a intervalos regulares, fazendo ruído e elevando por um momento a atividade sonora do ambiente. Nesses casos, podemos coordenar nossas ações para tirar vantagem das circunstâncias e, com um pouco de sorte, camuflar nossa presença.
Quando funciona, o sistema de detecção sonora é uma beleza. Existe até a possibilidade de ativar um microfone externo para captar, in-game, os ruídos produzidos pelo jogador – um recurso que os três gatos aqui de casa, sempre muito comunicativos, me impediram de testar em sua plenitude. Mas devo dizer que, com frequência, o jogo parece detectar erroneamente nossas ações, atribuindo a elas valores incompatíveis com aqueles mostrados pelo fonômetro.
Perdi as contas de quantas vezes morri, jogando na dificuldade Normal, sem saber exatamente o que havia feito de errado. Às vezes, chutar uma lata era apenas motivo de suspense, já que não necessariamente alertava as criaturas. Em outros casos, porém, os monstros me atacavam mesmo enquanto eu caminhava na ponta dos pés, sem que o fonômetro tivesse acusado qualquer ruído mais alto que o som ambiente.
Essa falta de clareza quanto à capacidade auditiva dos monstros parece ter sido diagnosticada pelos próprios desenvolvedores, pois o jogo sinaliza, em uma mensagem de tutorial, que o fonômetro não é um aparelho exatamente preciso. De início, pensei que essa era uma forma de aumentar a tensão do jogador por meio da incerteza, impedindo-o de confiar totalmente no aparelho. Mas, terminada a campanha, a sensação que restou foi de um desequilíbrio não intencional em todo o sistema de detecção sonora, que acabou sendo malandramente “justificado” sob forma de tutorial dentro do jogo.
O problema é que a sensibilidade dos controles de movimentação é muitas vezes insuficiente para respeitar a tolerância sonora indicada pelo fonômetro. Jogando com o Dual Sense, precisei controlar milimetricamente a posição do meu polegar no analógico esquerdo ao longo de todo o jogo, a fim de estabelecer o menor ritmo possível para a caminhada da protagonista – pois, dependendo do cenário, qualquer coisa mais rápida que um arrastar de pés era um convite à morte certa.
Por maior que tenha sido meu esforço, contudo, fui repetidamente transportado para a tela de game over, não importando quão lentamente caminhasse. Mesmo gerenciando o nível de barulho e puxando minimamente a alavanca do controle – apenas o suficiente para que a personagem se colocasse em movimento –, era comum o jogo sinalizar que eu havia feito mais bagunça que o permitido, e uma criatura logo aparecia para me interpelar.
É uma infelicidade que a exigência de caminhar tão devagar resulte, ocasionalmente, em uma experiência entediante. Isso porque nunca nos sentimos livres para caminhar em velocidade normal, quem dirá correr, de modo que nos deslocar de uma sala a outra pode demorar uma eternidade. O vídeo abaixo (cuja qualidade foi, para meu desgosto, esmagada pela compactação do YouTube) representa bem a velocidade média de deslocamento exigida por Road Ahead. Repare também nas flutuações do medidor que levo comigo, e como elas se alteram de acordo com o ritmo da caminhada.
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Essa desregulagem no sistema de detecção sonora fica ainda mais evidente nos estágios finais da campanha, em que a dificuldade é tão desproporcional que não me surpreenderia ver um futuro patch dedicado a corrigi-la. Nessas fases, o mais lento caminhar já resulta em morte. No último confronto, em especial, a coisa parece tão desequilibrada que morri dezenas de vezes antes, mas também depois, de baixar a dificuldade para o Fácil – a ponto de nem sentir diferença com a mudança.
É quase como se os desenvolvedores tivessem turbinado artificialmente a capacidade auditiva das criaturas apenas para esse estágio final, já que elas estão muito mais agressivas e hiperconscientes da presença do jogador. E mesmo se você tiver sorte de não ser detectado pelo som, é bem possível que as criaturas acabem simplesmente esbarrando em você, já que ocupam toda a largura dos corredores pelos quais trafegamos.
A ESTRADA ADIANTE
Assim como o destino do personagem de John Krasinski no filme original, muitas das mortes que sofri em Road Ahead soaram injustas, levando-me a desconfiar da calibração feita nos sistemas do jogo. Existe, até onde pude entender, um efeito cumulativo na quantidade de barulho que fazemos, de modo que somos descobertos apenas depois de atingir certo limite, como um copo se enchendo de água até transbordar. Mas a falta de clareza e de um apropriado feedback quanto à percepção dos monstros acaba sendo frustrante, já que muitas vezes nosso fracasso parece arbitrário.
Tudo isso colocado, devo assumir que me diverti bastante jogando. Mesmo com seus problemas, A Quiet Place: The Road Ahead é o tipo de obra maior que a soma de suas partes, e pode bem ser uma das adaptações de filmes mais bem-sucedidas no mercado de jogos em anos recentes. A produção da Stormind Games não só tem um charme próprio e muita paixão envolvida, como consegue adaptar em grande medida os elementos do universo cinematográfico da série, traduzindo-os em mecânicas e referências visuais que, se não se destacam pela originalidade, funcionam perfeitamente para atender às necessidades combinadas de enredo e jogabilidade.
A Quiet Place: The Road Ahead não revoluciona o mercado, nem é essa sua ambição. A intenção do jogo é clara: ser uma releitura de tudo o que funcionou em Um Lugar Silencioso, replicando a mesma ambientação e atmosfera, mas agora com ainda mais suspense e tensão. Jogadores veteranos de stealth horror poderão se sentir sonolentos, com a impressão de estar jogando mais do mesmo, e não vão encontrar aqui o próximo ícone do gênero. Por outro lado, Road Ahead é recomendação certa para quem é fã do primeiro filme (ou mesmo das continuações) e está buscando um bom jogo de horror de sobrevivência para matar no fim de semana.
De minha parte, e já sem alimentar esperanças pelo futuro da série na tela grande, espero que a franquia renda bons frutos na décima arte – talvez mesmo uma sequência, quem sabe mais calibrada e menos dependente do filme original. E desejo, como desejaria a qualquer projeto em que enxergo verdadeiro potencial, que A Quiet Place: The Road Ahead seja apenas o primeiro passo nessa incerta, mas promissora estrada adiante.
Esta crítica foi produzida com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Saber Interactive.