Rollerdrome, Kara Hassan

Rollerdrome: uma dança mortal

Andar de patins nunca foi tão perigoso.

Meus patins deslizam pela madeira encerada da pista e posso ouvir a plateia gritando. O disparo de um fuzil quase arranca minha cabeça enquanto me lanço por uma rampa através do ar, articulando uma estranha manobra chamada mamba. Um conjunto de mísseis teleguiados passa tirando tinta das joelheiras reforçadas que protegem minhas pernas. Ainda estou lá no alto, a cinco ou seis metros de altura, quando encontro o ângulo certo para disparar contra o inimigo. Em câmera lenta, as pernas girando no ar, descarrego dois pentes inteiros no peito de um adversário antes de voltar ao chão, as rodas em meus pés recebendo a pista como uma velha amiga. Nas arquibancadas, os fãs de rollerdrome vão à loucura.

Projéteis e raios de energia me perseguem pelo cenário enquanto me obrigo a permanecer em movimento, conectando tiros e saltos mortais e wallrides pelas paredes da arena. Derrubo um, dois, três adversários antes de ficar novamente sem balas, aí deslizo por uma parede vertiginosa e depois salto lá de cima, rodopiando em um pretzel grab que recarrega minha munição. A plateia enfurecida grita ao redor. Meu medidor de combo está marcando 20, 21, 22 pontos, piscando luminoso no canto da tela à medida que os inimigos se esparramam pela pista como insetos caídos de uma luminária. Ninguém pode me parar. Rodando em meus patins e disparando essas pistolas, eu sou invencível. 

Kara Hassan, Rollerdrome

Mas então, de bobeira, avanço em alta velocidade sobre um tapete de minas terrestres, desfazendo-me em uma nuvem de fogo, fumaça e sangue. À minha volta, as câmeras de televisão captam e transmitem cada segundo de minha explosiva derrota em alta definição. Mesmo na morte, posso ouvir os gritos do público ecoando pela arena, ovacionando o espetáculo proporcionado por este moderno Coliseu. 

ROLLERDROME: O ESPORTE DO FUTURO

Alguns jogos são totalmente sobre mecânica. É o caso de Rollerdrome. Por mais que eu tenha predileção por boas e bem desenvolvidas narrativas, também sou capaz de me apaixonar por jogos baseados em pura e simples jogabilidade. E foi exatamente o que aconteceu com Rollerdrome, produzido por 44 pessoas no estúdio britânico Roll7: caí de amores por ele e nunca mais me levantei – pelo menos não antes de ver os créditos na tela.

Rollerdrome, Kara Hassan

Para não ser injusto, devo dizer que Rollerdrome tem, sim, algum pano de fundo para contextualizar o jogador naquele cenário, mas esse contexto é fornecido tão superficialmente que não podemos considerá-lo uma narrativa (o que não é, nesse caso, qualquer demérito). O importante a saber é que você joga como Kara Hassan, uma competidora novata que está ingressando no sangrento e futurístico esporte televisionado rollerdrome, um filho bastardo de Rollerball com Matrix. Seu objetivo é ganhar o campeonato, passando dos estágios iniciais para as quartas de final, semifinais e assim por diante.

O jogo é um clássico caso de “fácil de aprender, difícil de dominar”. Durante o tutorial, você descobrirá o básico sobre as mecânicas: use seus patins para se deslocar rapidamente pelo cenário, evite os projéteis inimigos e faça manobras para recarregar sua munição. Quanto mais complexa for a pirueta, mais munição você recebe. Também é possível se esquivar e, com um único botão, ativar a câmera lenta, permitindo mirar com maior precisão nos inimigos e emendar manobras ainda mais espetaculares.

Cada rodada exige não apenas sobreviver, como também eliminar todos os “Competidores da Casa” – inimigos com diferentes armas e atributos que surgirão pelo cenário tentando derrubar você. Ao vencer todos os inimigos, uma nova fase se abrirá. Entretanto, para passar de uma chave da competição para outra (por exemplo, das quartas de final para as semifinais), será também necessário cumprir uma série de objetivos que não só incentivam, como demandam a rejogabilidade. Por exemplo: matar X inimigos com determinado tipo de arma; fazer manobras em locais específicos do cenário; finalizar a fase em certo limite de tempo ou simplesmente bater um recorde preestabelecido de pontos.

Naturalmente, os desafios se tornam cada vez mais complicados no decorrer da campanha. Mas o  bacana é que você não precisa cumprir todos para avançar para a próxima chave, apenas um determinado número deles. Assim, é possível mirar nos objetivos que melhor se ajustam ao seu estilo de jogo – sejam as manobras, o combate ou as exigências de tempo.

Não existem opções de dificuldade. Entretanto, a curva de aprendizado é tão bem azeitada que o jogo consegue se manter sempre desafiador sem jamais parecer intransponível. A cada nova fase eu pensava que não conseguiria avançar, que ali terminaria forçosamente minha experiência; mas bastavam algumas tentativas (geralmente meia dúzia delas) para abrir meu caminho até a fase seguinte.

ENTRE MÍSSEIS E MANOBRAS

Rollerdrome não perde tempo: desde os primeiros combates, a adrenalina é palpável. E ela aumenta consideravelmente a cada nova etapa do campeonato. Se de início temos apenas inimigos “comuns”, que se utilizam de porretes e rifles de longo alcance para nos atingir, logo estaremos enfrentando adversários de todo tipo, cada um obedecendo a suas próprias regras. Alguns deles portam escudos e lança-granadas, exigindo uma aproximação cautelosa, enquanto outros se teletransportam depois de atingidos. Há inimigos que voam e outros que se parecem com o ED-209 de Robocop, sem falar em chefes que são basicamente tanques de guerra com pernas.

Cada inimigo tem ataques e movimentos diferentes, exigindo estratégia e raciocínio rápido para ser vencido. Os grandalhões com escudo, por exemplo, devem ter sua guarda quebrada antes de receber dano, mas ativam um ataque em área se você chegar muito perto. Já outros devem ser destruídos em uma única saraivada de balas; do contrário, um escudo impenetrável se formará ao redor deles. 

Ao mesmo tempo que gerencia sua munição e os diversos métodos para vencer cada adversário, você precisa ter sangue frio para seguir fazendo manobras a fim de recarregar suas armas, tudo isso enquanto desvia de mísseis teleguiados e raios laser cortando o cenário – além de, no meu caso, coordenar essas ações com os cliques de captura de tela. Some a isso a necessidade de constantemente trocar de armas, ajustando-as de acordo com o inimigo a ser derrubado, e temos aqui um dos jogos mais eletrizantes disponíveis no mercado.

Kara Hassan, Rollerdrome

É difícil colocar em palavras uma experiência visual tão complexa. Assim, sabendo que uma imagem vale mais que mil palavras, e um vídeo vale mais que mil imagens (não é essa a matemática?), deixo aqui o registro de um breve combate ainda nos estágios iniciais do jogo, na intenção de expressar cinematicamente o que jamais conseguiria em forma de texto..

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UM VIOLENTO BOLSHOI

A certa altura da campanha, eu estava tão imerso nas mecânicas de Rollerdrome que o jogo se tornou menos uma questão de combate físico do que uma experiência estética – e não estou falando apenas da direção artística e dos gráficos inspirados em quadrinhos. Lá pelas tantas, percebi que eu não estava realmente enfrentando os inimigos tanto quanto estava dançando com eles. 

Cada movimento se encadeava com o próximo para formar uma longa performance ao fim da qual todos os adversários estariam mortos. Deixei de me bater com as sequências de botões para simplesmente deslizar meus dedos por eles no ritmo certo; de tentar memorizar as manobras para inconscientemente absorvê-las e executá-las, como passos de uma dança que tivesse dançado muitas vezes.

Em diversos momentos acreditei que Rollerdrome levaria a melhor sobre mim. Que eu atingiria um muro de pedra e não mais conseguiria avançar na campanha. Mas, quando menos percebi, Kara Hassan havia chegado às finais e conquistado a taça, tornando-se a nova campeã do esporte. Admito que sentirei falta de dançar com ela. É uma lástima que a Take-Two tenha fechado o estúdio responsável pelo jogo, acabando com minhas esperanças de uma sequência. Mas essa certamente não será a última dança que terei com Rollerdrome. Ao final do jogo, é destravado o modo Out for Blood, que permite rejogar a campanha em uma dificuldade ainda mais brutal.

Sinto que o baile está apenas começando.

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