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The Alters análise

The Alters: conheça a si mesmos

Eu sou mais eus.

A primeira impressão causada por The Alters é excelente. Na pele do engenheiro espacial Jan Dolski, temos de enfrentar as adversidades de um planeta misterioso após um acidente que mata toda a sua equipe. Único sobrevivente da missão, Jan se descobre sozinho em uma base móvel, ameaçado pela aproximação iminente de uma estrela capaz de incendiar a atmosfera. Sem outra opção, e porque precisa de mais do que apenas duas mãos para gerir a base, Jan se vê obrigado a criar clones de si mesmo, cada um com características, memórias e habilidades únicas que os transformam em personagens muito diferentes do original. São os alters do título – versões alternativas da mesma pessoa.

O mais interessante é a forma como esses clones são gerados. Analisando infinitas probabilidades, um computador quântico cria ramificações simuladas no passado de cada alter, inserindo lembranças de uma vida jamais vivida a fim de criar um sujeito com as especificações necessárias: um Jan Médico para gerenciar a enfermaria; um Jan Botânico para cuidar da estufa. Enquanto um alter se lembra de desistir dos estudos para trabalhar na mineração, outro se recorda de enfiar o nariz nos livros até virar um importante cientista.

The Alters review

Os clones têm necessidades próprias e irão se rebelar contra o original caso se sintam insatisfeitos. Assim, é necessário estar sempre atento ao humor deles, ao mesmo tempo que os utiliza para manter a base de pé e explora o planeta em busca de recursos que ajudem você(s) a sobreviver. Há um pouco de tudo em The Alters: este é ao mesmo tempo um jogo de sobrevivência focado em narrativa, mas também de gerenciamento de base e exploração – na prática, tudo o que me atrai em um videogame.

Junte a isso gráficos muito bonitos, mecânicas complexas e um enredo baseado em escolhas, e chega a parecer que temos aqui o jogo do ano. Infelizmente, todas as potencialidades que The Alters oferece, ou parece oferecer ao jogador em um primeiro momento, acabam paulatinamente minadas por tudo aquilo que ele deixa de proporcionar: liberdade de escolha, diversão, instruções adequadas e uma boa história – sem falar na avalanche de bugs e falhas de game design.

The Alters, Jan Dolski

THE ALTERS: DIVERSÃO DECRESCENTE

No papel, The Alters deveria ser um jogo dinâmico, já que você deve alternar entre diversas tarefas e funções ao longo das horas de cada dia: do lado de fora, você explora um mundo com ares de Prometheus enquanto coleta recursos como metais, minerais, matéria orgânica e rapidium – todos necessários para expandir a base e aumentar suas chances de sobrevivência. 

Em outra mão, é preciso constantemente gerenciar os clones, alocando-os em tarefas que se modificam ao longo do dia para atender a demandas específicas, além de coordenar projetos de pesquisa, criar novos cômodos e ferramentas, microgerenciar o estoque de recursos e, no meio de tudo isso, manter os alters felizes e estáveis, ainda que todos eles se pareçam muito com crianças birrentas que a cada cinco minutos encontram um novo motivo para reclamar.

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Mas, na prática, o jogo acaba se tornando moroso e burocrático depois das primeiras horas. Não apenas existe um looping tedioso de gameplay (que envolve, por exemplo, um frequente e truncado vaivém pelas acomodações da base, evocando as piores partes de This War of Mine), como também a liberdade do jogador é tolhida por design. Isso porque The Alters quase não dá agência ao jogador para que possa improvisar ou experimentar com as dezenas de recursos que tem à mão.

Apesar das muitas mecânicas propostas pelo jogo, temos que nos ater (seja pela escassez de recursos ou limitações artificiais) àquilo que o jogo deseja que façamos em cada etapa: construir o objeto X, seguir o caminho Y. Mesmo a criação dos alters segue uma ordem mais ou menos estabelecida. E as opções de diálogo? São quase cosméticas, já que dar a resposta errada quase sempre afeta o humor sensível dos clones, limitando o jogador a escolher as respostas mais simpáticas apenas para não enfrentar a rebelião de suas cópias (o que inevitavelmente leva ao game over).

Em termos de jogabilidade, sinto que The Alters é mais ou menos como o deus cristão: oferece muitas opções e nos diz para fazer o que bem entendermos, apenas para nos punir se escolhermos qualquer opção que não a correta. Isso se aplica também à expansão da base e às tralhas tecnológicas que podemos criar: como os recursos são limitados (incluindo o tempo de que dispomos), acabamos forçados a direcionar nossos esforços para criar aquilo que o jogo nos diz para criar, para fazer aquilo que o jogo nos diz para fazer.

Piorando a situação, The Alters parece ter graves problemas na maneira como foi desenhado. Um exemplo latente dessa falta de cuidado está na passagem do primeiro para o segundo ato, que exige coletar combustível para movimentar a base e escapar do Sol. Quando cheguei a esta parte, minha base estava grande demais para que eu pudesse colocá-la em movimento: quanto mais pesada, mais combustível (ou matéria orgânica) eu precisaria para movê-la. Naquele momento, com todas as construções que eu havia cuidadosamente projetado, a base pesava cerca de “550” (toneladas? Não sei, o jogo não informa), mas meu reservatório de matéria orgânica/combustível só comportava “405”. Como fazer para aumentar a capacidade do reservatório? Vai saber. Apesar de conter dezenas de textos tutoriais, o jogo não contempla instruções básicas como essa.

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A solução foi diminuir a estrutura da base para poder movimentá-la, destruindo todos os cômodos que havia criado até ali e mantendo apenas as salas essenciais (que o jogo nos impede de destruir). No ato seguinte, entretanto, após uma enxurrada de diálogos arrastados e cenas desinteressantes, o jogo me pediu para criar um artefato que somente poderia ser construído em uma oficina. Tentei então erguer uma nova oficina, para repor aquela que precisei destruir, mas fui avisado de que era impossível fazer isso naquele momento.

Fiquei preso em um limbo, sem condições de voltar ou seguir em frente, já que o jogo me impedia de construir a sala necessária para avançar (ainda que não houvesse me impedido de desfazê-la uma hora antes). A solução foi retomar o save anterior e fazer tudo de novo, encontrando uma nova solução que permitisse avançar sem ser necessário desmanchar a oficina. Como diriam os antigos: haja saco!

SÓ TRABALHO SEM DIVERSÃO

Outros empecilhos de design se acumulam para arruinar a experiência, como a obtusa lógica dos estoques. Ainda que possamos destruir itens individuais para ganhar espaço de armazenamento, nem sempre é possível fazer o mesmo com os cômodos da base. Se não houver espaço nos estoques para armazenar o “reembolso” de recursos que ganharemos ao desmanchar uma sala, o jogo nos impede de destruí-la e, consequentemente, de liberar espaço – o que poderia ser resolvido inserindo a simples opção de descartar os recursos em vez de reembolsá-los.

Essa lógica torta também se aplica à fabricação de itens. Em mais de uma ocasião me vi sem metais suficientes no estoque para cumprir as missões do jogo. A solução? Minerar metais no planeta. Porém, para minerar metais é necessário criar ferramentas de mineração que, por sua vez, exigem metais para serem construídas. Você entende aonde quero chegar…

Também a falta de instruções prejudica o jogo em nível estrutural: muitas vezes, a descrição dos objetivos é genérica e não explica como devemos cumprir a missão, levando a uma sequência de tentativas frustradas até entendermos (ou não) o que precisa ser feito. Em outros casos, o jogo dá informações pela metade, como aconteceu comigo no Ato II: eu precisava urgentemente minerar recursos para prosseguir, mas estava sendo impedido por “anomalias” na superfície do planeta – distorções espaço-temporais radioativas que funcionam ao mesmo tempo como inimigos e barreiras físicas, impedindo a construção de postos de mineração. Entre as múltiplas entradas no tutorial, encontrei textos que diziam ser possível aniquilar essas anomalias, e havia até mesmo a foto do personagem segurando uma espécie de dispositivo para isso. Mas em nenhum lugar havia quaisquer explicações sobre como construir a tal ferramenta, nem opções no menu da oficina que me permitissem construí-la.

O pior de tudo, porém, é a miríade de bugs presentes no jogo. Junto às chaves de acesso, a 11 bit studios enviou um comunicado informando, entre outras coisas, que está ciente das falhas técnicas de The Alters e resolverá muitas delas com uma atualização de dia um. Ainda assim, só posso falar da experiência que tive antes do lançamento oficial – e ela não foi das melhores.

Além de problemas como personagens flutuando ou se teleportando, The Alters apresentou falhas técnicas que interferiram diretamente na condução do jogo e em meu próprio desempenho enquanto jogador. Curiosamente, os principais problemas se manifestaram ao redor do alter mais brucutu e ignorante que criei, o Jan Minerador.

The Alters review

Em dado momento, o Minerador desapareceu por dias, sem explicação plausível, impedindo que eu o utilizasse em qualquer tarefa dentro ou fora da base. Essa ausência me causou diversos prejuízos, obrigando-me a fazer malabarismos para manter a base em funcionamento. Mais tarde, após um retorno igualmente inexplicável, o Minerador me pediu para ajudá-lo a cortar fora seu braço, pois estava sofrendo de uma crise de identidade e acreditava que aquele braço não lhe pertencia (longa história…). Decidido a ajudá-lo – e também porque, a essa altura, já estava com raiva de todos os alters –, sem dó nem piedade amputei-lhe o braço direito, secretamente satisfeito por me vingar dessa versão truculenta de mim mesmo.

Mas eis que, uma semana depois, com o cotoco do braço direito ainda enfaixado, o Minerador vem ter comigo novamente a mesma exata conversa, pedindo que lhe cortasse outra vez o braço que já havia sido amputado. 

Mais uma vez, eu disse que o ajudaria. Mais uma vez, assisti à mesma cena de amputação, e lá se foi o Minerador passar outros três dias fora de serviço na enfermaria, a fim de se recuperar de um ferimento que já havia sido tratado na semana anterior. Não fosse o bastante, todas as conversas que tive posteriormente com os alters, incluindo o próprio Minerador, sugeriam que havia sido ele quem arrancara o próprio braço, mostrando que minha dupla escolha não surtiu efeito absolutamente nenhum sobre a narrativa.

THE ALTERS: UMA ENGENHOSA DECEPÇÃO

É triste constatar que The Alters se utiliza de uma ideia tão boa, e tem uma apresentação tão bonita, sem no entanto ser capaz de cumprir as promessas que faz. Em sua tentativa de abraçar diferentes gêneros, o jogo acaba não se saindo bem em nenhum deles, e falha especialmente em proporcionar agência e diversão ao jogador – dois dos princípios básicos para motivar o engajamento em um videogame.

Mesmo desconsiderando os bugs, a repetição mecânica e o pouco inspirado looping de jogabilidade, The Alters falha também na escrita de seus personagens, apresentando diálogos expositivos e insossos que tornam a interação com os clones não apenas superficial, mas genérica e irritante. 

The Alters review

E para fechar com chave de ouro, devo anunciar que guardei o melhor (do pior) para comentar no final: a cena que leva do primeiro ao segundo ato, em que os alters se reúnem em um luau na cozinha para, sem motivo aparente, cantar uma canção – como se estivessem no encerramento de um filme com a Carla Perez

Trata-se, não tenho dúvida, de uma das cenas mais constrangedoras a que tive o desprazer de assistir em uma mídia digital nos últimos anos, sendo inexplicável que tenha saído da prancheta para chegar ao produto final. Duvida? Então assista ao vídeo abaixo, tire suas conclusões e depois me diga o que achou nos comentários. É ver para morrer.

 

 

Esta crítica foi produzida com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela 11 bit studios.

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