Review A Plague Tale: Requiem, Analise

A Plague Tale: Requiem e o paradoxo do ponto de ônibus

Quanto mais eu jogo, menos precisarei jogar.

Poucas vezes fiquei tão contente por terminar um jogo quanto me senti ao concluir A Plague Tale: Requiem. Não porque tenha sido uma experiência incrível, muito pelo contrário: o sofrimento autoimposto de finalizar a campanha foi tão grande que, quando os créditos finalmente rolaram, fui tomado por uma indizível sensação de alívio, como quem escapa de um quarto escuro após uma boa seção de tortura.

Dando sequência ao já mediano A Plague Tale: Innocence, Requiem consegue a façanha de ser maior, mas ao mesmo tempo pior que seu antecessor em quase todos os aspectos. O jogo esbanja no audiovisual, é verdade, denotando grandes $omas investidas em cenas de ação e momentos cinematográficos. Por outro lado, os personagens parecem mais do que nunca mergulhados no vale da estranheza – sem falar na incompreensível alteração feita na aparência de Amicia de Rune, a protagonista, cujos olhos a fazem parecer bem diferente de sua versão original.

Amicia de Rune

A Plague Tale: Requiem também investe na jogabilidade, que foi refinada para oferecer muito mais recursos. No entanto, na prática, isso apenas amplia o leque de frustrações proporcionadas ao jogador, que precisa intercalar uma quantidade maior de ferramentas para lidar com desafios que exigem soluções muito específicas. 

Em minha crítica ao primeiro jogo da série, comentei que o excesso era justamente o calcanhar de Aquiles de A Plague Tale: Innocence, que tentava fazer muitas coisas sem fazer nenhuma especialmente bem. Apesar de sua primorosa narrativa, o jogo se debatia com questões de jogabilidade e tinha mecânicas entediantes. Desse um passo atrás, afirmei, e focasse em contar uma boa história, diminuindo a quantidade obtusa de puzzles e combates desinteressantes, a série poderia crescer e se tornar muito melhor. Para meu horror, o que a sequência decidiu fazer foi exatamente o oposto, de modo que agora temos mais combates, mais puzzles e mais horas de uma campanha tão prazerosa quanto um prego enfiado debaixo da unha.

A Plague Tale: Requiem, Hugo

Até mesmo o enredo, que antes era um ponto forte, torna-se maçante em A Plague Tale: Requiem. Os diálogos são insossos; as reviravoltas, previsíveis. Não há consistência nos personagens: vilões tornam-se aliados por conveniência narrativa, completos desconhecidos viram melhores amigos. O roteiro é bem mais frouxo que no primeiro jogo, com muito mais furos e remendos visíveis, e comete o grande pecado de não saber como matar seus personagens. Quero dizer: matar, o roteiro sabe – vários personagens importantes esticam as canelas na história –, mas suas mortes carecem de impacto, seja porque não há consequências no enredo ou porque o jogo prefere se esquivar da situação por meio de recursos batidos, como saltos temporais e outros pecados.

Assim como aconteceu às demais esferas do jogo, a história também está maior. Não apenas mais longa, mas também mais grandiosa. Mais “épica”, deve ter sido a palavra utilizada na sala de reunião dos roteiristas. O que é, sem dúvida, apenas outro tiro no pé já esburacado do estúdio Asobo. Se antes tínhamos uma história focada na relação íntima da família De Rune, o que recebemos em A Plague Tale: Requiem é uma narrativa genérica sobre a possível destruição do mundo pelas mãos de uma entidade maligna, transformando o que foi um dia um enredo original em qualquer coisa semelhante a um filme da Marvel. 

A Plague Tale: Requiem

RATOS ME MORDAM

Em minha análise de A Plague Tale: Innocence, comparei o jogo às produções da Naughty Dog, cujas obras eram largamente referenciadas & reverenciadas ao longo da campanha. Pois isso mudou na sequência, e também para pior. Agora, o target da vez parece ser o estúdio Santa Monica e o reboot de God of War, do qual A Plague Tale: Requiem chupinha os piores defeitos, como o completo desequilíbrio entre exposição narrativa e resolução de puzzles. Mas, assim como aconteceu antes, o jogo não consegue replicar as qualidades do concorrente. Diga o que disser (e eu de fato disse), mas God of War: Ragnarok pelo menos tem um primoroso e divertidíssimo combate. A Plague Tale: Requiem, por outro lado, tem diálogos rasos e personagens tão desinteressantes quanto Ragnarok – além de compartilhar o tesão por quebra-cabeças obtusos –, mas entrega um combate mecanicamente capenga.

Sejamos justos: existe maior variedade no gameplay de Requiem quando comparado ao primeiro jogo, a ponto de ele ser quase divertido em raros momentos – um esforço louvável. Mas a complexificação de mecânicas desinspiradas não as torna necessariamente mais divertidas, apenas mais enfadonhas. Temos agora, por exemplo, uma besta com a qual disparar, além de ferramentas que envolvem atrair ratos, controlar ratos, ver através das paredes, criar poças inflamáveis, acender fogo, apagar fogo & cetera, mas de nada adianta ter em mãos tantas mecânicas se nos falta a liberdade para usá-las como quisermos.

A Plague Tale: Requiem

O jogo está sempre nos pedindo para lançar mão de recursos específicos para problemas específicos (determinados inimigos só podem ser liquidados com determinadas ferramentas). Isso em muito difere, por exemplo, do supracitado God of War, que ao menos nos permite despachar os vilões da forma como quisermos com o conjunto de ferramentas que temos. Em A Plague Tale: Requiem, porém, a escolha é uma ilusão; e a liberdade, uma falsa promessa. Por mais que tenhamos novos inimigos e novas armas, bem como áreas ainda mais abertas para enfrentá-los, na prática cada desafeto deve ser protocolarmente despachado de uma maneira. Ao expandir o leque de possibilidades, de itens e ferramentas, o jogo nos leva a pensar que teremos maior agência sobre nossa atuação naquele universo, o que não passa de uma leviana promessa. Por isso, a frustração é ainda maior quando percebemos que Requiem, tanto quanto o primeiro jogo, segue tolhendo a liberdade criativa do jogador para impor sobre ele uma gameplay engessada, presa à limitação de suas próprias mecânicas.

Já não fosse tudo isso ruim o bastante, a impressão de que os cenários foram construídos ao redor dessas mesmas mecânicas é ainda mais latente que no primeiro jogo. O que temos aqui é uma ambientação que destoa do realismo proposto pelos demais elementos da direção de arte, como se o mundo de A Plague Tale fosse ele todo erigido ao redor de alavancas, elevadores e manivelas (de modo que a verossimilhança se quebra ao meio sempre que nos deparamos com áreas de puzzle típicas de um videogame). Mais até do que antes, os puzzles são um empecilho para o aproveitamento da narrativa de Requiem e, seguindo a lógica do que a Asobo pensa ser uma boa sequência, temos agora ainda mais quebra-cabeças para solucionar e mais caixas para empurrar – pois empurrar caixas é, por que não, o sonho de todo jogador contemporâneo.

A PLAGUE TALE: REQUIEM E O PARADOXO DO PONTO DE ÔNIBUS

A campanha de A Plague Tale: Requiem reduziu minha expectativa de vida em 17 dolorosas horas. Não é uma campanha especialmente longa. Mesmo assim, precisei dividi-la em quase 20 sessões de jogo, ao longo de um mês, antes de ver os créditos rolando na tela através das minhas lágrimas. Tamanha foi minha indignação – com a história megalomaníaca, com o roteiro fraco, com a locomoção travada e as animações faciais plastificadas dos personagens, com os puzzles e o combate – que por muito pouco não desisti de escrever este texto no meio do caminho, apenas para me libertar do desprazer dessa experiência que, salvo engano, deveria ser de entretenimento.

Nem todo o jogo foi um sofrimento, admito – ele tem, sim, alguns bons momentos, especialmente em seu terço final. Mas o resultado geral foi tão dissaboroso que o tempo todo me peguei pensando se não valeria a pena entregar os pontos e parar de jogar em vez de seguir, para minha própria tormenta, fazendo da diversão uma obrigação. Porém, quanto mais eu jogava – comecei a refletir –, menos sentido fazia parar de jogar. Se não fosse em frente e jogasse até o final, eu estaria sacrificando em vão as cinco, seis, sete horas de jogo que já havia irrevogavelmente desperdiçado.

A Plague Tale: Requiem

Logo me dei conta de que eu estava vivenciando em primeira mão o paradoxo do ponto de ônibus. Segundo essa reflexiva anedota, um sujeito aguarda um ônibus atrasado. Então percebe que, quanto mais espera pela chegada do transporte, menos deverá esperar até que ele finalmente apareça. Nesse cenário, o sujeito pensa, não faz sentido voltar a pé para casa ou se deslocar para outro ponto, pois o ônibus que ele aguarda pode chegar a qualquer momento. Depois de uma hora, a única certeza é de que o ônibus está uma hora mais próximo, e ir embora faz cada vez menos sentido à medida que a espera se arrasta.

No meu caso, comecei a pensar que, se já tinha jogado ao menos um terço do jogo, valia mais a pena insistir para concluir o restante do que desperdiçar as horas que já havia investido. Por outro lado, quanto mais esperava pelo final dessa desventura, mais irritadiço e impaciente fui me tornando. Infelizmente, quando menos percebi já havia passado da metade da campanha, e o investimento feito se tornou grande demais para que eu declinasse dessa masoquista tarefa de analisar A Plague Tale: Requiem

Fosse este um site de resenhas jornalísticas, vá lá: poderia ter largado o jogo pela metade e, sem papas na língua, dito a você: larguei o jogo pela metade. Na intenção de escrever uma crítica mais polpuda, no entanto – uma tarefa que, como sabemos, difere da mera resenha opinativa –, me senti obrigado a jogar o jogo até sua conclusão. E pior: fiz isso tudo de mente aberta, esperando franca e honestamente que A Plague Tale: Requiem em algum momento me surpreendesse, quiçá fazendo valer a disposição que tive de jogá-lo por inteiro. E quer saber? Já aos 45 do segundo tempo, faltando dez minutos para soar o apito, o jogo de fato me surpreendeu – agora positivamente, para variar um pouco.

O final de Requiem é uma das poucas coisas que se salva desse naufrágio, mostrando que um pouco de coragem nunca fez mal a uma história. É uma conclusão agridoce, mas também emocionante. Por outro lado, as emoções não se sustentam por muito tempo, pois a inesperada conclusão da campanha é logo seguida por um epílogo morno, que não faz jus à importância dos acontecimentos finais da trama. A última cena (sintomaticamente uma cena pós-créditos, lembrando mais uma vez qualquer filme de super-heróis) abre as portas para uma provável terceira parcela de A Plague Tale, e confesso que fiquei – inconsequente que sou – curioso para saber como a história vai continuar.

A Plague Tale: Requiem

Claro que, por maior que seja minha curiosidade, também não sou (muito) burro. Engane-me uma vez e a culpa é sua; engane-me duas e a culpa é minha. Por isso, nem preciso dizer que terei cautela ao me aproximar de uma eventual sequência de A Plague Tale: Requiem. De minha parte, decidi que o paradoxo do ônibus é uma grande bobagem: mais vale voltar a pé na chuva do que esperar por um ônibus que nunca chega, assim como é preferível largar pela metade um jogo que não nos diverte. O tempo, afinal, é a única coisa de verdadeiro valor de que dispomos.

E se você decidiu por qualquer razão não acreditar em mim, e está pensando agora mesmo em testar A Plague Tale: Requiem por sua conta e risco, como uma criança que precisa colocar a mão no fogo para saber que queima, leve antes em consideração as sábias palavras desta que se parece uma prima distante de Amicia de Rune:

Análise A Plague Tale: Requiem

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